sexta-feira, 9 de setembro de 2011

EX more






“Em família, sem dizer nem combinar a gente determina quem são os maus, quem são os bons. Prende neles uma tarja e todo mundo acredita:eles também.” (Lya Luft)

I

E ela que pensara ter a vida inteira o próprio nome,
sentia o peso do incômodo presente: nome + sobrenome = parentes

Aparentava paz que lhe era verossímil,
não autêntica.
Tirava-lhe os pulmões, as cordas vocais e as pernas:
precisava da fala autônoma, de correr e de inalar um mais-que-contentamento.

Não pretendia a loucura,
nem muita excitação.
Contudo lhe era inviável a letargia tépida em que se metera.

Inadmissível se ausentar da alegria e da liberdade.
Identificara-se e se revoltara com o que lera de Pessoa na noite anterior: “é este estar entre, /Este quase, Este poder ser que. Isto.'

Ainda assim se sentia presa às protocolares reuniões de família enfadonhas
- nelas residia sua estranha forma de se aquecer.

Ela se aconchegara ao marasmo.

II

Fernanda queria mesmo
fazer uma conta de chegar
para conseguir o tal equilíbrio que as avós e tias tanto anunciavam em sua infância
(eram elas submissas felizes).

Difícil - o cotidiano era incontrolável: não vinha com recurso avançar/recuar.

Não dava pra passar a borracha nas rugas
não dava pra remover as rusgas
não dava pra desfocar o exato-latente momento das mágoas.

Num súbito consentimento de impotência, lamentava:
possível sentir sutilezas de felicidade; impossível prendê-las em imagem.

(Retina devia ficar na boca: a alegria seria devorada e guardada
no corpo,
no ventre,
como quem tem uma constipação)

E tudo é tão, não só, mas também, apesar, até que
E pois, e tal qual, e quanto, conforme, se bem que.
E simplesmente assim como.

III

Entretanto Fernanda se garantia na insistência:

A vida borra
distorce
gira
recorta
parece que vai diminuindo aos poucos.

Mas intriga, hipnotiza, atrai e cativa:
filhos,
amores,
pôr do sol,
luar na praia do Leblon,
café expresso,
cheiro de livro novo,
olhares que se cruzam,
arroz com açafrão,
vidas que se entrelaçam,
abacaxi com canela,
novos amigos,
amigos de sempre,
sorvete de chocolate,
aconchego de filho,
pão quentinho,
gargalhadas,
suco de melancia,
a paz de estar só e bem,
- ou a alegria de estar acompanhado -,
pizza sem culpa,
horas em uma biblioteca,
cheesecake,
cheiro de chuva...
...e seguir a vida.
Apalpar a vida.
Compreendê-la.


Compartilhar:
fraqueza,
riso,
saudade,
alegria,
preguiça,
paixão,
receio,
conhecimento,
liberdade
paz.

Sim e sim. Um dia a matemática funcionou.

Trazer de volta para o corpo os pulmões, as cordas vocais e as pernas era o que de mais precioso poderia fazer.
Era sua esperança de branda euforia.


E equilíbrio.

PÁTHOS








"Um Cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco"
(Milton Nascimento e Leila Diniz)

Estar distraído.
Abrir o coração
Abrir o jogo
Arregaçar as mangas
Iniciar.
Agarrar com unhas e dentes
Não desistir
Desnortear-se

Estar preparado para uma qualquer situação.

Arrancar cabelos,
Desesperar-se.


Bater na mesma tecla
Insistir.
Baixar a bola,
Acalmar-se, ser mais comedido.

Dar o braço a torcer

(Contar um segredo...)

Dar com o nariz na porta

Engolir sapos
Fazer algo contrariado
Dar o braço a torcer

Avalizar o afeto

Ficar de novo com a cabeça nas nuvens

Distraído,
acabar com a corda no pescoço,

Aperto no coração,
Agonia,

E não poder fazer nada
Morrer, fenecer

Lavar roupa suja
Ficar de novo com a cabeça nas nuvens

Estar distraído.
Perder as estribeiras
Desnortear-se.
Expor os fatos.

Procurar uma agulha num palheiro.
Tentar algo quase impossível.
Receber um balde de água fria.

Sentir, tocar,
Ficar de novo com a cabeça nas nuvens.

Estar distraído.
Abrir o coração
Abrir o jogo
Arregaçar as mangas
(Re)Iniciar


O amor é tautológico.
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