sexta-feira, 27 de julho de 2012

Chama que eu vou (à moda de João Freire Filho)




Ele:
Se você acha que pode partir agora
Desta inútil intenção desista
Para ti pintei a lua lá fora
Ficar longe de mim, agora? Não insista.

Ela:
Não mereço a lua, mas aceito
Agora que te encontrei, suspeito:
Na equação x + você + eu,
O valor único e possível da incógnita é amor, não tem jeito.



terça-feira, 3 de julho de 2012

Crônicas de Solidão XII



O amor se espalhou por aí deixando pedaços de luz para os corações escurecidos.

Certas verdades ficam apenas escondidas esperando ninguém -
porque seria insuportável conhecê-las. Livro dos Descasos



I

Depois de morta a ilusão
Ficou o resquício da dor
de aprender
que
move on
foi somente atravessar para o outro lado da mesma rua.

II

Carecia me emendar.

Precisei e adorei e detestei deslembrar
Mas confundi.

Pus a mágoa onde não devia.
Realoquei.

Lavrei em cartório
o olvido;
despedi-me das
lembranças,

despojei-me das amarras,
enojei-me das amarras,

larguei de mim

Adicta da dor,
perdi saúde
ânimo
alegria
motivo
sorriso

arranquei os dentes - sem vontade de abocanhar a vida

Abandonei letras e músicas,
tralhas sonoras de tanta alegria vã.
Afinei,
desafinei -
não consegui chegar a um tom audível.
Definhei.

Sofri por não ser adequada,
como quem sofre de fome.

Sobrou nada que amasse o coração.

Ficou o vazio
terrível vazio
horripilante
cruel.


III


Forjei meu atestado de óbito

para poder renascer

de novo
e de novo
e de novo


até estar certa de que iria chegar a uma forma indissolúvel


e tentei me pôr inteira

tentando não cair aos fracassos

como naquele...

(Quantos anos são necessários para reconstruir um instante?)


IV


Provei de tudo para não me arrepender

creditei convicções

acreditei nas palavras

pus fé

retirei meu último pedaço de útero - não pude parir a dor

que ficou alojada no fígado

deixei lá...

derradeira gota de bile

e pronunciei liberdade, na esperança de que a coisas nomeadas se tornassem reais

e não.

sobrou ressurgir sem um gêmeo
único óvulo fecundado

solitário

desigual.

V

Um dia amanhecido,
surpresa,
segui.

coisa maior...

atravessei a rua
E agora ela me levava a outra e a outra e a outra
ad infinitum

eu não sabia se seria tão fácil

bastou tirar os grilhões de sentimento
os nós na garganta resultantes de cada desprezo, dos vários nãos, dos não posso
dos estou com pressa, depois te ligo, nos falamos, vou viajar, celebro a vida

Etc
Etc
Etc

Ficou o alívio de que à tout à l'heure agora se traduzia por até nunca mais…

VI

O Deus que hoje habita em mim é paciência, amor e indulto.

O bom da vida é sempre recomeçar.

Pura libertação.


Rosane Gomes

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Escombros



De corpo esférico e mente irregular,
incontinha as lascas de colesterol e baixa autoestima
a escorrer asquerosamente pela roupa.
Personalidade ora histriônica, ora introvertida,
mal percebia as vergonhas derramadas a cada passo, fala, gesto.
(A gangorra interna o fazia ir e vir sem saber exatamente o que queria)

Tentava dirigir as vidas de todos ao seu redor.
Quando eufórico, anunciava futuras promessas não cumpridas.
Mania de grandeza, buscava poderes e luxos absurdos que não podia alcançar.

Não parava um segundo sequer na esperança de desencontrar de si mesmo.
Jamais admitiria que lhe apontassem os defeitos - acusava com habilidade e sem pudor,
para se proteger.
Esquematizava, manipulava e controlava pessoas, na expectativa de modificá- las segundo sua imagem e semelhança.

Um dia se deu conta.
Já velho, esgotado com a própria altivez e soberba, descobriu-se apenas um a mais no mundo.
Descompensou.
Solitário.
Tosco.
O epitáfio dizia "Não fui alguém".
Morto, não levou a vaidade.


terça-feira, 17 de abril de 2012

Resetado Coração



"Começa o mundo enfim pela ignorância,/E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância."(Gregório de Mattos e Guerra)
"A paz invadiu o meu coração/De repente, me encheu de paz
Como se o vento de um tufão/Arrancasse meus pés do chão
Onde eu já não me enterro mais..." (Gilberto Gil)
I

Desfigurado estava
bastou levar a máquina
Ao TI.

Processava lento
completamente sem alento,
quase na UTI:

"o coração está pronto para reformatar:
formatar - perguntar depois - cancelar"


II

Pois rejeitou birrento
nada estava a contento

- carecia deletar a ilusão...

Mas ele já sabia
que sem tal procedimento
insuportável seria a confusão...

Emprestou artéria amiga
que com 8 gigas
recolheria o que sobrou...

III

Então forjou coragem,
admitiu a operação:

"Selecionando DVD de instalação
selecionando idioma
clicando na seta azul

continuar…
aceitando os termos de emoção

clicando em Utilitário de Artéria...
Selecionando HD na coronária esquerda
Vá para a aba Apagar e selecione o formato Sensibilidade Expandida

Coloque os nomes: coração avariado, dor, mágoa, desgosto
e, juntando as tralhas, clique em Esquecer.

Confirmar Esquecer.
Aguarde o processo aquietar. (dependendo do coração é lento)
Depois feche o Utilitário de Aorta
Selecione Afeto HD e clique em Instalar
Aguarde a instalação acontecer.


O músculo da máquina necessita receber oxigênio para que funcione adequadamente.

Clicar em ok.

Clicar em aceitar novos sentimentos.
Instalação concluída"

Durma em paz - resetado coração.






Rosane Gomes

terça-feira, 6 de março de 2012

Falaz







Poderia usar o melhor aspirador ou toda água do mundo: jamais tiraria a sujeira moral do próprio chão.

Constantemente escorriam miseráveis canalhices do rosto, somente visíveis para quem lhe tirasse a máscara.
A cada dia, contudo, mais angelical ficava o semblante - paradoxo comum aos dolosos persuasivos embusteiros.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Supressão



"Uniu dois mundos em vidas tão separadas/Juntou caminhos, mas separou as estradas...
Cadê o amor, cadê?"
(Nana Caymmi)
E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. (Clarice Lispector) 


Desejos arrancados das vísceras
depositados como despojos
numa pequena lata em que caberiam
perfeitamente:

nada sobrou além do mau cheiro
causado pelo inconsciente hábito
de deixar na geladeira
o afeto que,
não consumido
e não consumado,
ganha prazo de validade.

Corpos anêmicos:
todos os nutrientes
rejeitados por
almas anoréxicas
e corações bulímicos.

Restou a lixeira contaminada:
os dejetos corroeram a lata
com seus princípios podres
de descaso -
a putrefata realidade do ato incontinente
de desamar.


Rosane Gomes

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Linhas Mestras





É um desmascaro
/ Singelo grito:
"O rei está nu"/ Mas eu desperto porque tudo cala frente ao fato de que o rei é mais bonito nu
E eu vou e amo o azul, o púrpura e o amarelo
/ E entre o meu ir e o do sol, um aro, um elo.
("Some may like a soft brazilian singer 
but i've given up all attempts at perfection"). Caetano Veloso, Estrangeiro



Dos detalhes pintados à mão,
transbordam múltiplas
alegorias ornadas de luz.

De cada ponto, de cada traço,
saem palavras em forma de
sensações, sentimentos
escorridos em azul, lilás,
cinza, vermelho, verde -

mil cores escrevendo
e cravando
a pintura.

A pintura metafórica -
assimetria proposital do texto
expresso para ver e ouvir:

ora
o silêncio do choro -
em tons de azul,
ora
as tantas cores
na nitidez da força,
que a mão forjou
para o corpo descansar.

ora
o que o leitor da pintura
bem quiser.

Cores em profusão
explodem.

Depois de lida,
a arte transforma
o cotidiano
em algo mais palpável,
exatamente por ser
onírica.

Ler a pintura mostra alguns princípios de viver,
assim como ver as cores das palavras.


Rosane Gomes

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Novos Odres





Incongruente com a vida,
não me cabia mais.
Transbordei,

Escrevi.
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