segunda-feira, 13 de setembro de 2010

MARIANA


"Fique assim, meu amor, sempre assim/ E se lembre de mim pelas coisas que eu dei/ E também não se esqueça de mim/ Quando você souber, enfim, de tudo que eu amei" (Valsa para uma menininha)


I

O primeiro som não foi choro,
Foi melodia...

Obstetra, pasmo,
disse “ bravo!"

Boca de leite de peito,
desejo de dedo na boca,
choro-vontade-de-colo.
Curuminha cresceu.

II

Menina-luz
aluada
lunar
Doze aninhos - toma banho de lua com a mãe.

Feliz,
toma sol também.
Segura e acaricia a bem-me-quer...
Aspira sempre mais do contentamento...
Da tristeza, tira sabor madurinho-carambola


III

Noite sem luar chegou.
Outono trouxe o manto escuro,
e entristeceu os olhos de menina.

IV

Curuminha amadurou precoce.
Ainda assim, alimentou de alfazemas
os arredores.

V

Ventos na varanda,
trouxeram solidões...
Aproximaram perigos.

VI

Curuminha vela a mãe da ventania,
Leva brinco-de-princesa,
lava mágoa,
Toma conta.
Zela.

Sofre com dores
evitáveis,
inevitáveis,
impossíveis,
mas levanta.
Levita.

Sacode a amargura,
faxina a dor.

Alcança, sem medo,
as consequências de ser
Plena,

E borda com meigas orquídeas -
de um constante amanhecer pacífico
as paredes pungentes da casa.
Curuminha encontra asas e voa para longe com a mãe.

VII

Ventos mornos na janela trouxeram aconchego.
Curuminha com uma corda de violetas, sai do abismo.

Mexe os cabelos
de ainda-menina
e, sorrindo, luminosa,
fragiliza as maldades.
Sem poréns.


Malagueta e mel.

Bela - e fera.


Minha absoluta - e única - ternura.

EDUARDO


Quero que o meu amor te seja leve
Como se dançasse numa praia uma menina.”
(Lya Luft)

I
Fui Gaia, pouso e repasto de tua criação.
Sobrepeso delicioso
dos pezinhos na barriga,
nasceste.

Eras o meu menino
“o menino de sua mãe”
Para mim, foste amor revelado,
alma compartilhada, confluências umbilicais.
Entre silêncios e conversas
meu mundo inteiro pensado em ti.
Todas as alegrias -
cuidados, sempre urgentes...

II
Entremeio terrível - obras de Ares
ou a ira dos anjos, que importa agora-,
lançou-nos no limbo onde brincadeiras e risadas não entravam mais.
Veio a partilha, a solidão...

III
O tempo pretérito do interregno - deixou-se
vencer: foi engolido pelo túnel do cordão
ancestral jamais ceifado.
Depois, o reencontro
endividado de amores.

IV
A mão, agora, firme
a voz, agora, grave.
Heranças de avô materno...
O menino, hoje,
cuida de mim.
Ensina-me os passos
Aponta-me lugares
Espanta-me os medos
Afasta-me dos perigos.
Sou agora filha.
(alcance o mundo, meu amor
mas não te afastes em demasia...)
Sendo norte, mesmo que distante,
Sorrindo, ilumina os caminhos
Abraça-me a tua voz
Embala-me a vida teu olhar, assim como um dia te acalentei nos braços.

Não existirá outro magno amor em minha vida.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

CRÔNICAS DE SOLIDÃO III (Retorno à Caverna)








BORIS

"Vaidade de vaidades, diz o pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade."(Eclesiastes 1:2)
" E ele lhes cumpriu o seu desejo, mas enviou magreza às suas almas."(Salmos 106:15)


Percepção delirante, alucinações na forma de vozes que o acompanhavam naquela atividade repetitiva. Estava mesmo preso a um estado de natureza humana, encerrado em morada subterrânea e cavernosa com apenas um pequeno acesso à luz. Desde sempre, o pescoço e as pernas presos de modo que permaneciam imóveis; só via os objetos que lhe estavam a um palmo dos olhos. Preso por computadores que lhe permitiam ligar-se ao mundo inteiro, não podia voltar o rosto.

Atrás dele, a certa distância e altura, um fogo ofuscante; entre o claro e o cativo, um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro que não lhe permitia ver totalmente os aparentes bonecos de mola que pensava poder manipular.

Tic Tac, Tic tac, tic tac. Único som real: o tempo fugindo.

Virtualidade. Era esta sua dependência. Desta forma colocado, não poderia apenas ver de si mesmo e de seus companheiros algo mais que as sombras projetadas.

Tic tac, tic tac, tic... ("Mas ele foge: irreversivelmente o tempo foge")

Perdera o contato com a realidade, experimentando ideias bastante irracionais, revestidas de uma fala aparentemente lógica. Convencia a todos os outros cativos de suas verdades distorcidas.
O ar seguro (escondendo os grilhões) mascarava seu empobrecimento afetivo. Delírios e delírios provocavam uma crença em si mesmo; ele era a sua religião.

Pregava aos outros cativos, certo de que o perseguiam. Acreditava ser atormentado, seguido, enganado, espionado ou ridicularizado. Acreditava também que certos gestos, comentários no escritório, tarefas efetuadas pelos outros, eram dirigidos especificamente a ele.Tinha desatinos de grandeza.

De fato não cria que houvesse nada de real e verdadeiro além das figuras-desvario que desfilavam entre as baias e divisórias que o rodeavam.

O que aconteceria caso se livrasse num átimo das cadeias de erro em que laborava?

Na hora mais imprevista este cativo foi desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a ouvir e a olhar firmemente para a luz. Nada disso aconteceria sem grande pena; a luz, além de lhe ser dolorosa, o deslumbraria, convidando a distinguir seres e objetos. Antes avistava somente sombras.

O que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só vira fantasmas e que, agora, empurrado para a realidade, enxergaria com mais exatidão?
E se, alguém, apontando-lhe as figuras que lhe desfilavam anteolhos, o coagisse a dizer o que eram?
Seria sua grande confusão. Poderia fazê-lo sem dor?

Então aconteceu.
Persuadiu-se de que o que antes vigiava era menos verdadeiro que os objetos ora contemplados.
Com dificuldade, desviava as pupilas doloridas para as sombras que antes lhe eram confortáveis.

A realidade o fez subir por caminho áspero e escarpado, para somente o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol. Dava gritos lamentosos e brados de cólera, apesar da notável sedução sentida diante do esplendoroso ambiente.
Precisaria de algum tempo para afagar a claridade.

Finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplou mais facilmente os astros da noite. Depois, o pleno resplendor do dia.
Recordou-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e de sua ilusória e hiperbólica sabedoria; se deu parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a perda do poder sobre outros.
Se na claridade recebesse elogios, honras e recompensas por mais prontamente perceber as sombras  - sendo o mais hábil -, tanto melhor. Afinal, guardava na alma o cativeiro. Este homem teimava em voltar às primeiras ilusões. Mas os grilhões não estavam mais ali.

Vencido e derrotado, levantou-se. Xingou adeus definitivo aos colegas de trabalho.
(Soube-se que foi tratar da Personalidade Esquizotípica)

Alívio no delírio.
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