sábado, 12 de dezembro de 2015

Ficção



Dois à deriva - corações abertos,
na agonia de respirar.
Depois de muitas correntes,
são jogados na areia - triz de sobrevivência,
medo de asfixiar.
(por amar)
Boca a boca - para se salvar.
Ebeijo ebeijo ebeijo ebeijo ebeijo ebeijo ebeijo...

domingo, 29 de novembro de 2015

Secreto



Ela é sorrateira.
Vez em quando me rodeia.
Afasto-me quanto posso
para não acolher a hospedeira.

Na branda noite,
ela jamais aparece -
em seguida,
o ar fresco da madrugada arrefece.

No Claro dia,
às vezes surge
às vezes não.
Depende de onde se esconde o coração.

É uma fiel inimiga
a quem eu chamo
Solidão.



Rosane Gomes

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A casa de Laura


A casa de Laura
acolhe cores,
abraça flores
e energia do mar.

Na casa de Laura não há porta de entrada
para infelicidade.
(A porta é de saída mesmo)

Laura é luz.
Com Laura aprendo
e me surpreendo.

Poema para Laura
Não pode ser pesado -
jamais solene.
Laura é leve – dança nas nuvens.
Mas pisa no chão.

Cores, flores e cristais
Trocam de cadeiras
em dança alegre.

Os objetos mostram harmonia.
Estátuas brincam de estátuas 
descansadas e sutis.
Retângulos rígidos no armário não brigam com quadros impressionistas -
acomodam-se ao som de melodia pacificadora.
Televisor coberto com delicado tecido - ato judaico para não atrapalhar os vivos
em meditação.

Todos os países habitam
a casa de Laura
Não há fronteiras, 
muito menos barreiras. 
(apenas um muro para energia insalubre)

Tudo é suave.
Laura ensina a esquecer,
deixar-se ir,
soltar.
Saltar...

No mais,
Laura ensina a viver.


quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Poema para Rogéria



"Eu vejo esses peixes e vou de coração / Eu vejo essas matas e vou de coração à natureza..." (Milton Nascimento)
"E Jesus disse: amarás o Senhor Teu Deus de todo coração/ Amarás o próximo como a ti mesmo" Mateus 22

Rogéria, amiga de anos, lembra-me energia do mar,
sonho bom,
placidez de matas verdes,
sonatas,
carnaval.

E um belo quintal,
onde tudo cabe:
os cheiros gostosos - farofa com banana,
peixes em recipientes brancos,
arroz integral,
amor integral.

A mesa posta com requintes de simplicidades:
brigadeiro com avelã.

II

Ousada, tento descrevê-la:

delicados
gestos
precisas palavras
colhidas
no empenho de ser
amável
- embora com sinceridades necessárias.
cortantes

Olhar presente: sem tempo para hanseníase na alma.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

José


Vigia, em que pé está a noite? -Vem a manhã e também a noite.Se quereis perguntar, perguntai.Voltai e indagai outra vez" (Isaías,21:11) 



José  surpreende com palavras, músicas e letras que raro ouvi.
José me anuncia algo acalentador
José Claro – manhã lunar.
José, nome de meu tio, lembranças de menina...
José preciso - “uma faca só lâmina”...
José, de João Cabral – apenas a esperança – sem o doloroso final.
José Carlos é mesmo ele, afinal.
Este poema em nada resulta sem sua presença virtual.
Foi no exato momento do som que escrevi seu nome, José.
Na Bíblia, o interpretador de sonhos.
Será que entra em meu sono?
José, um ledor.
Às vezes amedronta,
pelo fato de me alcançar assim.

Radiografia de mim.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A minha alma tá armada e apontada/Para cara do sossego/paz sem voz, paz sem voz/Não é paz, é medo.(O Rappa)






“Quem cala sobre teu corpo/Consente na tua morte
Que a raiva traçou/Quem grita vive contigo!” (Milton Nascimento)

"Estamos chegando das novas favelas,das margens do mundo nós somos,viemos dançar.
Estamos chegando dos grandes estádios,estamos chegando da escola de samba,sambando a revolta chegamos,viemos gingar.
Estamos chegando do chão da oficina,estamos chegando do som e das formas,da arte negada que somos,viemos criar.
A DE Ó..." (Milton Nascimento)

"Mas, se ergues da justiça a clava forte, Verás que um filho teu não foge à luta, Nem teme, quem te adora, a própria morte.
Terra adorada, Entre outras mil, És tu, Brasil, Ó Pátria amada! Dos filhos deste solo és mãe gentil, Pátria amada, Brasil! "(Hino Nacional)



O que escrevo aqui vale para qualquer lado. QUALQUER LADO.
A violência se espalha a cada dia como erva absurdamente daninha, danosa, dolosa, horrorosa.
Não nos enganemos... Por favor, não nos enganemos com discursos tão gastos.
TODOS temos direito à segurança, à educação, à saúde. Todos temos direito a uma vida cada vez melhor. Todos temos direito à felicidade. 

Eu quero viajar pelo mundo inteiro. Quero comprar o melhor vestido. Quero comprar quantos livros eu puder. Adoro brincos.Quero um amor. Quero ser feliz. Tá. E daí? A mulher que mora bem perto de mim no Morro do Salgueiro também quer tudinho - tem tanto quanto eu direito a qualquer desejo. E merece a oportunidade de consumir e ter o que quiser. A questão, portanto, é ampla - diz respeito à VIDA.

Meus filhos estudaram, comeram proteína, etc, etc, etc... Os filhos da mulher que mora no Salgueiro provavelmente não.  Isso faz de mim uma CULPADA? NÃO, não faz. Isso faz das crianças sem uma única oportunidade coitadinhas? NÃO, não. Perguntem a elas se querem essa tarja. Eu já o fiz.   Fui professora de escola pública. A questão não é mais da divisão de “classes”. Estamos em estado de calamidade pública faz anos – repito, anos.
Ficamos calados. Ficamos inertes. Não fazemos nossa parte cotidiana. E não sabemos mesmo escolher quem nos represente. PIOR: nós não sabemos NOS representar. Não assumimos nada. Ficamos em cima do muro. Essa é a desgraça, hanseníase social – parece que nada sentimos na pele. 

Cito aqui, uma história cotidiana, até mediocre porém esclarecedora:
“Uma mulher marcou horário no salão. Quando chegou, soube que estava no mesmo horário de uma outra cliente. Confusão armada, claro. A dona achou melhor resolver da seguinte maneira: “Ah, me desculpe e, para reparar o nosso erro, não vamos cobrar o serviço”.
A mulher disse NÃO. Não, não estou à venda; vou pagar pelo serviço, sim e arrume um jeito de organizar melhor seu salão.Bobagem? Ah, ela estava exercendo sua cidadania no pequenininho.
E é nesse pequenininho que temos de atuar também. É no microcosmos do trabalho, das ruas, dos serviços comunitários (sem assistencialismo, por favor, ok?), é no microcosmos das ações ou lutas (e delicadezas) diárias – que vão desde não jogar lixo no chão da rua até o infinito de coisas que possamos fazer para tornar esse mundo menos pavoroso.

“Cidadão de bem” ? Tá. O que esta expressão quer dizer exatamente? Classe média? Classe alta? Os que moram em “comunidades” (não, não mascarem não! É favela mesmo). Quem tem direitos? Todos os cidadãos, ponto. sem predicativos. (Bandidos, estupradores, assassinos têm direito à cadeia, claro está - sem senões)
Então? Como ficamos? Ah, já sei. Não ficamos. Ou ficamos parados.
Com certeza vou ouvir ou ler ataques do tipo “queridinha, leva pra sua casa então”
Que venham. Isso já se tornou banal. De muito usada a frase já não fere.

Choro e grito pelo médico, pelo menino morto por bala perdida no morro, pelo menino que aponta uma arma e não um lápis de cor, pelo menino que não leu Monteiro lobato, pelos meus filhos que têm medo, pela mãe que chora por uma escolha errada do filho, qualquer que seja a tal “classe social” dessa mãe ou do filho. Choro e grito por todos nós. Pela ignorância de todos nós. Eu choro até pelos equivocados e perigosos no youtube a incitar violência contra aqueles cuja opção de vida não é a deles.Choro e grito pelo uso do ódio e não das atitudes corretas.

Há que se tomar providências? Sim. Temos de pedir proteção? Sim. Proteção para todos (ninguém quer ser assaltado ou morto) e, sobretudo,proteção com relação a nós mesmos, pois estamos perigosos. Repito: nosso discurso tem sido de ódio. Nossa. Voltamos à barbárie? 
Vamos à ação. Ação. O país nunca esteve tão caótico.

Ainda não conseguimos nos garantir os direitos básicos como o da liberdade, da moradia digna, da saúde, da educação e do trabalho. Enquanto isso não for realidade, preparemo-nos para mais violência, mais injustiça, enfim, mais malhação Judas em sábado de Aleluia, seja médico, professor, “menino de rua”, empresário, faxineira, ihhhhh a lista é longa. É violência garantida a todos.
Eu não sei se sou a favor da redução da maioridade penal. Não sei. Sei que sou a favor de uma MAIORIDADE CIVIL neste país.  

Anote aí: Meu nome é Rosane Nunes Gomes, cidadã brasileira. E não desisto. Insisto.


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“Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade.” (Declaração de Independência dos EUA)

"Artigo 5º da Constituição Federal (brasileira)  Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; IV - é livre a manifestação do pensamento"IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente" 






quinta-feira, 16 de julho de 2015

Para Milton Nascimento (ou - Será que eu ganho um beijo?)



"O amor enfim ficou Senhor de mim/E eu fiquei assim,/Calada sem latim/Coisas da vida
Amor é dom da natureza/Amar é laço que não escraviza." (Milton Nascimento e Fernando Brant)


Já me chamaram de louca muitas vezes por eu declarar que este homem é LINDO. Sem problemas. O Brad Pitt é lindo? É. E bom ator também. Desculpem, mas a boniteza é algo matematicamente calculado e diz respeito ao que nos leva a compreender apenas uma característica, não uma qualidade. Há, portanto, diferença abismal. ELE é o belo de Platão (a beleza da completude, do todo indissociável, e não uma beleza que simplesmente imita a natureza), como também o belo aristotélico (ou seja, tudo o que envolve criação humana é belo).ELE é a magia que vem do mais profundo Sertão Veredas; a Mantiqueira que faz ecoar a VOZ em todos os cantos do mundo; a VOZ a honrar a Mantiqueira, preservando ambiente alto e rochoso, lugar em que as matas estão (ainda) resguardadas da ambição e maldade humanas e mantendo o encanto de folhas e pássaros livres. Somente a VOZ inigualável pode cantar aqui do Rio e fazer chegar, sem internet, apenas com sua força, um brilho de sol poente ao oriente (que significa nascimento). Ele me explicou - para o que não tem mais razão, a calma do louco ensinou a dizer nada; para o que não tem mais nada, a calma do louco ensinou a dizer – razão.
Somente ELE me convenceu de que algum romantismo é bom – ele pôs um girassol da cor do meu cabelo ao pé da porta quando eu tinha 13 anos. E o velho maquinista, com seu boné, segue a me lembrar um povo alegre que vinha cortejar a maria fumaça - para moças, flores, janelas e quintais. Se o ouço ou vejo, choro. E sei que é impossível não acreditar em Deus.

Rosane Gomes

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Um poema






"O que é o amor Rosane, em sua visão?" (Rozeli Rufino)"Saio de meu poema como quem lava as mãos/algumas conchas tornaram-se/que o sol da atenção cristalizou/alguma palavra que desabrochei/como a um pássaro."
"Cultivar o deserto como um pomar às avessas" João Cabral de Melo Neto

A palavra depositada com delicadeza
e cuidado na branca folha
Em que um pássaro também descansou.
Dialogam palavra e pássaro.
Não lhes é difícil: pássaros entendem sons
e respeitam palavras, sobretudo as que estão em estado de ninho.
Palavras reverenciam as asas – porque livres, levam
significados para além das nuvens ou o mais profundo oceano.
Pássaros compreendem as solitárias palavras querendo voar
em bando a construir o poema.

A mão que segura a tinta
Tem de cuidar para não inibir as aves,
marias, a orar e voar versos livres.
A palavra já nasceu desinibida, não carece
cuidados tantos – aparece e desaparece quando quer.

Etcéteras chegam ao branco papel,
importunando, mas sem sucesso.
As aves e as marias já solidificaram
sons e cores.
As palavras atuaram com sua
garantia de profusão de significados
ou sentidos (o leitor que se vire e mire)

Assim deve ser o poema:
diálogo entre pássaros, palavras e gentes
dentro de solo branco
feito de mortas árvores.

Somente dessa maneira as defuntas árvores
podem descansar: lhes deram valor poético.
A madeira, matéria - mater (origem do nome
de tão bela fonte de folha e flor) honrará a
raiz arrancada: mater dolorosa a gerar beleza.

Súbito, a escrevente mão descansa acanhada
pelo sol que entra pela fresta de janela
e pensa os vindouros versos.
O solar não queima; aquece os dedos
reunidos e cansados de tanto laborar,
bem como o coração obreiro de tanto esperar pelo papel
preenchido de sensações para o olhos verem.

Valerá então o poema: sem exclamações.
Estas não cabem – seria uma afronta à escrita
que, expressando mais puro sentimento,
já é clamor, brado, voz (muitas das vezes
no silêncio de dentro do operário coração)

Valerá o poema se for suave e leve -
reticências a viver espera
de reencontro, feliz ou triste -, com  mão
e  tinta a manchar o branco com ponto e vírgula –
entressono entre a continuidade da vírgula e o ponto final indesejável.

O poema, se de amor, seguirá seu curso obrigatório de
existir seco, rígido (até cortante).
O mel, caso injetado, atrairia sucessivas colmeias a
machucar a esperançosa madeira que se fez verbo
pelo pecaminoso ato de adoçar aquilo que carece de exatidão e rigor.
Amor não é romântico.
Poema-amor deve ser preciso e sério como petição a Deus.
Ou a um adeus.

O próprio amor, palavra jamais definida,
de tão abstrata e impossível de reter com os braços,
não suporta a adoçante cera.
Quer apenas valoroso pigmento -
o mais escuro -, a dar-lhe visibilidade.

Amor só se vê pela tinta,
ou pela junção de corpos
ou pelo acariciar de almas.
E amantes bizarram;
Quando amam não ficam normais.
Quando desamam, muito normais.
Amor debocha de filosofia e dicionários.
Amor é.  Sem predicativos ou elucidações.
Amor não se define..Acontece.

Madeira, árvore, floresta
Mater.
Matam-se para declarar amor.
E o amor, portanto, na sua gênese,
morre para renascer em branco papel e tinta.
E principalmente na alquimia culinária de potes de cozinha
com seus temperos: pimenta nas palavras de afeto,
maracujá na dor e sal –  o sódio é admirável
conservante dos versos de alegria (normalmente muito perecíveis)

Vale sempre uma pitada de neologismos
sem muito estilo para não parecer soberbo.
Equisitar é palavra que se aplica.

Jamais esquecer de que tudo deve ser
Oferecido em pranto saboroso
(às vezes se carrega na acidez...)

Há  sabor nas palavras.
(deguste impensável a quem tem hipogeusia seletiva)

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Por que se foi



“The fundamental things apply
As time goes by...” (Herman Hupfeld)
“E já passou, não quer passar/E já choveu, não quer chegar/E me lembrou qualquer lugar/E me deixou, não sei que lá...” (Milton Nascimento)
“Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama a seu irmão permanece na morte.” 1 João 3:14


 Para Ricardo Oiticica (in memoriam)



Bora fazer o trabalho que ficou na distância
Chega perto.
É pra daqui a duas semanas
A gente sempre compete com o tempo.
(o tempo... perdi alguma coisa?)

O Parque das Araras está vazio
Você não está mais aqui...
Eu prefiro pensar que você fugiu.
Ainda assim peço:
bora conversar nos pilotis.

Implica comigo, com a minha aliança de noiva.
Diz de novo: você pretende ser noiva?
Bem dizia que o anel era de magia estranha.
O anel enforcaria meus alquímicos pensamentos.
Não enforcou naqueles anos
Enforcou agora e...
Cadê você?

Ano após ano,
eu te encontrava,
a cada esquina da Gávea,
sempre espantada
com a quantidade de filhos
que colocou no mundo.
Você pretendia repovoar a Terra
com gente melhor?
A cada encontro rápido,
um sorriso, um piada
e sua voz incrivelmente bela.

Ecoa em mim a voz.
Ecoa com função de Eco:
A lembrar, lembrar, lembrar
(nauseante) o que outros
me levaram do passado bom.
Agora é machucador.
Por que se foi?
Eu preciso do seu aconchego,
da sua acolhida.

Preciso de você na sala de outrora.
Lembra das nossas falas?
Soavam eruditas...
Ê bobagem...
Lembra de nossos embates?
Lembra de nós?
Imprudentes e arrogantes jovens,
a guerrear palavras.


O Parque das Araras está vazio de você.
Lembra das conversas?
Eu lembro do seu hálito inteligente.
O bucólico parque continua aqui.
As araras deprimiram suas cores.
O parque embaçou.
Resolveu conversar futebol com Nelson Rodrigues?
Precisava ?
O riacho parou o tímido curso
No exato momento da última batida do seu coração.
As árvores enfraqueceram suas raízes -
artérias importantes da base de chão e terra em que
sentávamos para piquenique livreiro.

Saudade das suas falantes mãos
a mexer, por diversão e sem dolo,
com os intelectos docentes.

Eu nos lembro
a enlouquecer colegas.
Cada palavra escolhida
para tirá-los do conforto inútil.

Morte. Parca, Moîra.
Essa que te levou sem minha permissão.
Não a temo.
Tenho raiva, sim
Não podia levá-lo.
Não, você não.
Jamais.
Que me levasse.
Que me levasse.
Suas habilidades enriqueciam o mundo.
Que me levasse!
Minha alma grega enfrentaria o Destino cego.
Nunca tive medo do barqueiro sequer...

Você foi irmão que escolhi.
Sim. Prefiro pensar que fugiu
Fugiu fugiu fugiu fugiu sumiu.
Eu lhe pareço calma?
Estranha isso?
Você sempre me deixou assim...
Calma. Com que se espanta?

Notícia sua me chocou.
Soube ontem.
Procurei seu nome e encontrei seu óbito.
Uma foto.
As mãos.
E o traiçoeiro comboio se foi há dois
anos.
Poderia ter me chamado.
Eu iria.

Sua partida foi dor em mim.
Curiosamente, como é do seu feitio,
com essa dor, apagou outra.
Tamanha grandeza faltosa e cruciante
apagou incômodo recente.
Sua morte me custou a cura.
Eu preferiria descurar.


Tudo ficou tosco, irrelevante.
(será que padecimentos vão se revezando para angustiarmos menos?)

Jamais te chamei pelo apelido.
A cadeia sonora é pequena.
Não te honra o bastante.

Volta!
Volta!

E não se preocupe.
Ainda estou entre as verdes azuis araras embaçadas,
sentada no chão a esperar.

Agora vem, usa suas mãos discursantes
e me ensina a sofrer menos,
Ainda que esteja a vida dolente em excesso.

Volta, Oiticica,
Vamos bagunçar e alegrar a vida
até o dia amanhecer,
apontando, com sua luz, que tudo foi pesadelo.

Espero me venhas com sua sempre verdade, integridade
para eu ter meu corpo limpo, meu coração leve
e meu fígado menos intoxicado.
Assim doerá menos ou não doerá.



terça-feira, 26 de maio de 2015

Crônicas de Solidão XIII - Palavras Íntimas





“Porque se chamava moço/Também se chamava estrada/Viagem de ventania/Porque se chamavam homens/Também se chamavam sonhos/E sonhos não envelhecem/ E basta contar compasso/E basta contar consigo/Que a chama não tem pavio/ E o rio de asfalto e gente/Entorna pelas ladeiras/Entope o meio-fioEsquina mais de um milhão/Quero ver então a gente, gente gente, gente...”(Milton Nascimento)




Uma vez por ano, homenageio Aurélio Gomes da Silva, meu pai. Neste ano já não sei quantas vezes ele esteve aqui. Morreu em 1996. Há um poema chamado “2 de dezembro”, que fala de mim, dele, do que senti. Meu pai, como escrevi, nunca foi funcionário de existir. Era patrão.

E era mandão. Imaginem alguém que veio do Sertão de Caicó para o Rio, na sequência adotado por um alemão judeu que viveu a guerra (perdera toda a família em Auschwitz) e foi morar em Porto Alegre, sendo rigidamente criado lá. Sobrou pra mim e para minha irmã. Minha irmã se casou cedo. Eu fiquei filha única e... danou-se.

Por exemplo, eu já tive um outro nome. Principalmente no Leblon, na praia, onde nasci e fui criada. Era assim: Filha (primeiro nome) do Aurélio(sobrenome). Ninguém me chamava de Rosane. Era Filha do Aurélio mesmo. Isso carregava vários matizes. Vou citá-los. “Cabra que quiser chegar perto da minha filha, vai ter de falar comigo”; “Ô, cidadão! Tá falando com ela por que mesmo?”; “Desadreia o sarrinho” (expressão cujo significado real jamais soube, mas sempre pressenti) – a expressão ora servia para sai daí, ora para despachar o desavisado, ora para sai da praia já, dentre outras coisas. Acho que jamais se arrependeu da forma como me criou.

Mas era uma canseira arrumar namorado. Uma canseira. Ô. Os rapazes queriam ser meus amigos... Sei que fui adolescente desaforada em certo sentido. Também não gostava de desavisados. Sei que fui estranha também. Eu ia para a Cupertino Durão jogar vôlei e depois me recolhia com um livro ou jornal. Não era popular. Os mais velhos da praia me diziam “menina, desse jeito você não casa; os garotos não gostam de menina nerd.
(cdf, na época).

Por outro lado, ele era querido por muita, muita gente mesmo. Era impressionante a legião de jovens a acompanhá-lo, a ouvir seus conselhos ou a tomar cerveja com ele.
Tinha carisma incrível. Faz 7 anos, encontrei um amigo de adolescência que me disse: “Se não fosse pelo seu pai, estaria na lama, nas drogas, na desgraça”. Mandou mail para minha mãe, fazendo questão de homenageá-lo. Ele ajudava a qualquer pessoa que lhe pedisse conselho, dinheiro, acolhida, não importa – não pedia retribuição. Ele, durão, tinha um coração incrivelmente bondoso.

Quanto a questões políticas, em plenos anos 60, 70, meu pai não era de esquerda, de direita, de centro, de nada. Ele ERA. Tinha suas convicções, seus valores, sua ética. Principalmente uma noção muito definida do que era justo. Então, tanto foi capaz de enfiar gente (bem conhecida por nós), fugida das milícias, num fusca para levar para fora do país, como também conversava calmamente com militares nas ruas – sem medo sem complicações e sem culpas. Esquerdas e direitas gostavam dele justamente porque ele não era hipócrita e jamais, jamais ficava em cima do muro. Falava na lata. Na cara de qualquer um o que pensava. Seu espírito era LIVRE.

Então, apesar de ser rígido quanto a princípios, criando a filha debaixo dos mesmos, me ensinava também a ser LIVRE, correta, sincera, honrada. Não se enganem. Isso nada tinha a ver com puritanismos, etc. Isso vinha das convicções de quem sobreviveu, ainda criança, à dificuldade de conseguir comida no Sertão de Caicó; depois se viu em berço esplêndido, com todas as facilidades possíveis e inimagináveis e NUNCA, nunca teve nariz empinado, jamais foi arrogante ou soberbo. Falava com “gente importante” da mesmíssima maneira com que falava com porteiro e isso não era uma “concessão” à hipocrisia. Era legítimo, era ELE.

Dizia:“comida que se põe no prato se come toda”; “não mostre o que você tem, mostre, quando e somente quando necessário, quem você é”; “tenha compaixão”; “diga bom dia, boa tarde, boa noite a quem quer que seja”; “não acredite em quem não olha nos olhos” e outras coisas mais.

Gostava de gentes, de assuntar, de pescar. Gostava de existir.
Os anos passam e cada vez mais sinto falta dele. Sinto falta da voz, do olhar, da energia, da sensação de que nada me aconteceria se ele estivesse perto. É recente o episódio de calhordice pelo que passei e minha família também. Fora ele vivo, não teria ocorrido.

Hoje sei que sou muito Filha do Aurélio, gostaria de mudar meu RG. Rosane não me basta. Mas sei também que ele deixou legado. Eu também sou Aurélio, quando necessário: falo, grito, escrevo, não fico em cima do muro e não sou funcionária da vida.
Termino esta crônica com lágrimas legítimas, pois escrevo aqui o que vai no meu mais profundo abismo de sentimento. Ele precisava ser exposto, pois um homem como meu pai precisa ser apresentado como um exemplo de quem torna a vida útil e ao mesmo tempo saborosa.

E...
 “O meu medo maior é o espelho se quebrar, meu medo maior é o espelho se quebrar,
meu medo maior é o espelho se quebrar, meu medo maior é o espelho se quebrar...”


Para quem não me conhece, Sou Filha de Aurélio, neta natural de negro, filha de negro, filha de branca folha de papel, neta adotada de judeu e com um imenso orgulho grego do génos herdado. O que aqui apresentei foram honradez, honestidade, sinceridade, bondade DELE. Palavras muito faladas e pouco praticadas neste mundo em que vivemos.

“E lá se vaaaiii, mais um diaaaaa...”

Valete, Frates
Soli Deo Gloria

sexta-feira, 8 de maio de 2015

A um ausente - para José Saramago (texto escrito um dia após sua morte)



“Tenho razão de sentir saudade,tenho razão de te acusar.Houve um pacto implícito que rompeste e sem te despedires foste embora.(...)Antecipaste a hora.Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas....” (Drummond)


"Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta (...) Trouxeste a chave? (Drummond)


(José Saramago - 16/11/1922 - 18/6/2010)

Tristeza por ter perdido alguém cujos livros ora me revoltavam, ora me apaixonavam.
Sim, perdi, não porque o tivesse na convivência pessoal ou em presença (como queiram);
perdi a futura convivência com novas brigas e identificações. Eu ousava falar com ele em cafés, passando por lunática; fechava livros prometendo não mais lê-los. Lia 3, 4 vezes o mesmo livro.
Saí de uma livraria recentemente brigada com ele (“como você ousa se referir a Eclesiastes desse jeito?”). O livro se chama Caim.

O conto da ilha desconhecida foi uma demostração de afeto e doçura - logo dele, cuja “montagem humana” era ácida.

As Intermitências da Morte foi um tapa na cara. Ensaio sobre a cegueira, outro.

O Ano da Morte de Ricardo Reis, deixei pela metade. (uma das maravilhas de ser leitor é a liberdade; outra, a intimidade com os textos - e com um cheiro dos livros que nenhum perfume francês jamais alcançará)

E as epígrafes! Procurei feito doida (como também um monte de gente que conheço) o Livro dos Conselhos (“ Se podes olhar, vê; se podes ver, repara”); o Livro das Evidências (“Tu sabes o nome que te deram, mas tu desconheces o nome que tens”) - pra, depois, ler entrevista no jornal: “eu inventei esses livros”. Quase fui a Portugal esganar o desinfeliz.

Ah, ele seduzia... e como!
E o seu maior encanto era o de não se querer encantador.

Um delicioso saber agridoce se ausentou dos meus olhos hoje. E não sem pena. E não sem dor.
Não sei se pessoas por aí entendem o que é de fato o amor pela leitura. Pois digo: é um amor visceral, é amor eterno (livros nunca nos abandonam), é o amor pela imagem (sim, escrita é imagem em grafemas), é amor que faz doer, mas sem dolo, é amor que aquece, enraivece, acolhe, instiga, vicia (sempre queremos uma dose a mais). É amor. Ponto.

Quando tenho a notícia de que um escritor morreu, meu coração sangra. Menos arte e talvez mais maldade no mundo. A beleza das palavras não é para poucos. É para todos. Basta chegar...
Não se espantem com meu sentimento. Não acusem. É legítimo. Por favor, não me nomeiem intelectual; não gosto da palavra. Aquisição de conhecimento alimenta o espírito.
  Louca? Sou. Já abdiquei da companhia de namorado pra ler - mesmo sendo uma adolescente que sempre adorou permas, tríceps, bíceps...o pacote completo. Louca e estranha. Esquisita na visão de algumas muitas pessoas. Até hoje sou desigual. Mas quando eles (os livros) me olham daquele jeitinho faceiro e sedutor eu agarro. E beijo com os olhos.

Jamais percam a chance de ler (só vai aqui um aviso: José de Alencar provoca enjoos e gastrite, tomem café da manhã leve).

Acreditem: a cura da alma, muitas vezes, se faz por meio das palavras. Até porque a leitura é ato sagrado, é liturgia.


Rosane Gomes
Soli Deo Gloria

terça-feira, 28 de abril de 2015

Partilha





 “Teresa, se algum sujeito (...) te jurar uma paixão do tamanho de um bonde/Não acredite não, Teresa/ é lágrima de cinema/ é tapeação/ Mentira/ Cai fora. (Manuel Bandeira)

“O amor não seja fingido. Odeiem o que é mau e apegai-vos ao que é bom” (Romanos 12:9)


Pelo presente instrumento peculiar de compromisso de divisão deplorável em que somos partes sem lado, fica estabelecido que:

Paredes feridas e imundas pela desigualdade de intenções, comigo.
Vigas (sustentavam suas incríveis cargas - necrosaram) , comigo.
Chão arrancado dos pés, comigo.
Lar em destroços, comigo.
Coração em escombros, comigo.
Entulhos sangrantes em saco rasgado, a COMLURB não quis levar, então, comigo.
Caçamba para levar as tralhas das minhas crentes teimosas vísceras, comigo.
A desalegria e desesperança da minha filha, comigo.
A delicadeza desperdiçada e despedaçada, comigo.
A lucidez, comigo – não sendo o pai, sem direito de visita.
O amor sofreu de hipóxia, não entra na partilha.
A insanidade ruim e traiçoeira, maior de idade, contigo
A compaixão nasceu comigo. Então, comigo. 
O pungente, lancinante, torturante dissabor, comigo.
As ausências, contigo.
Sua perfídia, contigo – não há espaço na lixeira do prédio para abjetos inorgânicos.

Por estarem assim justos mas descontratados, assinam o presente perante as testemunhas (da desorganização de valores morais) abaixo identificadas:

Partes:

1. !!!!! de ???? da Silva Ingênua Confiante Crédula
2. (Aqui assina a Covardia, procurador – o bastante - deste Outorgante)

Testemunhas:

1. ,,,, ... ! ... ... ! da Silva Desde Sempre Desconfiado Filho
2. ??? de !!! da Silva Estupefata Decepcionada Filha
...........................

É. A divisão de bens não foi justa.
Ficou com pouca coisa.
Não houve sentimento puro e bom que lhe pertencesse.
Só lhe restaram a obscura frieza e a inevitável pequenez.
E, sinto muito, irmão, não há quem advogue em seu favor.
Defensoria Pública só atende a quem tem rendimento de afeto acima de
duas (nossa! a p e n a s duas!) corretas atitudes.

Na próxima, relacione-se logo por meio de procuração AD JUDICIA ET EXTRA.
Mais Prático. Mais conveniente.

E então. E pois.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Mariana




“Fique assim, meu amor, sempre assim/E se lembre de mim pelas coisas que eu dei./E também não se esqueça de mim/Quando você souber, enfim,
De tudo que eu guardei.” (Valsa para uma menininha)
“E quando lavarem a mágoa, E quando lavarem a alma E quando lavarem a água, 
Lavem os olhos por mim... Quando brotarem as flores, Quando crescerem as matas, Quando colherem os frutos, Digam o gosto pra mim...Digam o gosto pra mim...”(Aos Nossos Filhos)
I
O primeiro som não foi choro,
foi melodia.
Obstetra, pasmo,
disse “ bravo!"

Boca de leite de peito,
desejo de dedo na boca,
choro-vontade-de-colo.
Curuminha cresceu.

II

Menina-luz
aluada
lunar
doze aninhos - toma banho de lua com a mãe.

Feliz,
toma sol também.
Soleada, 
segura e acaricia a bem-me-quer.
Aspira sempre mais do contentamento...
Da tristeza,, tira um sabor madurinho-carambola.

III

Noite sem luar chegou.
Outono trouxe o manto escuro,
e entristeceu os olhos de menina.

IV

Curuminha amadurou precoce.
Ainda assim, alimentou de alfazemas
os arredores.

V

Ventos na varanda, 
trouxeram solidões.
Aproximaram perigos.

VI

Curuminha vela a mãe da ventania,
leva brinco-de-pricesa,
lava mágoa,
toma conta.
Zela. Vela.

Sofre com dores evitáveis,
inevitáveis,
impossíveis,
mas levanta.
Levita.

Sacode a amargura,
faxina a dor.

Enfrenta, sem medo,
as consequências de ser
audaz.

E borda com meigas orquídeas -
de um constante amanhecer pacífico -
as paredes pungentes da casa.


VII 

Ventos mornos na janela trouxeram aconchego.
Curuminha com uma corda de violetas, saiu do abismo.
Mexe os cabelos
de ainda-menina
e, sorrindo luminosa,
fragiliza as maldades
sem poréns.

Malagueta e mel.
Bela - e fera.

Minha absoluta - e única - ternura.




segunda-feira, 30 de março de 2015

Conversas de Internet




Toda vez em que há um gesto de amizade, Cylo, nasce uma nova e muito colorida bela flor no mundo. Você, por exemplo, fez crescer uma margarida azul.

domingo, 15 de março de 2015

No Sétimo, O Descanso

                                    (frame do vídeo ARK, by grzegorz jonkajtys - http://vimeo.com/3116167)



“Brigam Espanha e Holanda/Pelos direitos do mar/
Brigam Espanha e Holanda, porque não sabem que o mar.../
É de quem o sabe amar” (Milton Nascimento - Leila diniz)

"Eis que és formoso, ó amado meu, e também amável; o nosso leito é verde".
Cânticos 1:16



Aquele que me balança os navios
tem morada distante

Eu nada te peço, Deus,
senão a continuidade do tempo.
E, em que pese a distância,
assinatura da derrota - consumida, mas recuperável -,
traz um sinal de beleza na minha face
e me responde:



Que faço eu para aconchegar oceanos?
Como aproximo chão e chão?
Qual fórmula equaliza
amores filhos, amores mães, amor-amor?

Ventos do sul me levam
Vozes quentes e sudestes me prendem

Que faço Deus?
7 orações?
7 partidas?
7 chegadas?

Olho para fora, não vejo paisagem.
Tenho apenas a janelar memória: peixe na panela, arroz, pratos vibrando a comida com cheiro gostoso de afeto.
Antes, a vara, a pesca da madrugada sobre o mar aquecido de alegrias refeitas de sonho bom

Que faço eu Deus?
fala comigo!
7 orações?
7 partidas?
7 chegadas?

Qual caminho me leva com segurança e sem bússola
ao porto convicto?

Me diz, pai!
fala comigo!
dos naufrágios eu sei,
Você sabe.

Mareante,
já engoli a água,
já cuspi mágoa,
caí.
Quase afoguei.

Os ventos estão gelados - sinto frio, dor

Agora faz!
Isenta a distância.


Aquele que balança os navios
Saiu do mar,
Está na areia à espera.
Ficou sem embarcação...

Me traga um veleiro então.

Eu vou.


Rosane Gomes

terça-feira, 3 de março de 2015

Vitupério



“Eu botava a mão/No fogo então/Com meu coração de fiador...” (Chico Buarque)
"Aquele que odeia dissimula com seus lábios, mas no seu íntimo encobre o engano" Provérbios 26:24

Especialmente hoje, gargalhadas me incomodam.
Esquisitei.
Porém posso evitar, agora, que me transpassem
com parvoíces. Estou segura. Imune.

No primeiro domingo,
Não estava preparada.
Ele voltou excessivo e desorientado.
Assustei, inquietei, pedi.
Dormi às 3 da madrugada,
com minha alma cheia de sustos.
Dia seguinte, ouvi a voz mansa.
Pareceu-me desigual.

No segundo domingo,
Estava perto e presenciei
a cena etílico-destruidora
sem poder reagir.
Depois, dentro de um carro,
vi um Marechal em guerra.
O olhar paranóide apontava,
sucessivas vezes,
para qualquer ato não feito por mim.
Suas alucinações acusatórias espalhavam mau cheiro no ar.
O céu escureceu.
A trovoadas verbais foram ouvidas em toda cidade,
convidando moradores a se proteger.
Fiquei nua, sem defesas.
Saí do belicoso delírio e
voltei ao ninho seguro de minha terra.
Dia seguinte, não ouvi arrependimento -
Eu o li  – uma mistura de desculpas com concessiva e final de memorando.
Incoesa escrita. De nada valeu.

No derradeiro domingo,
esperei até o coração ficar seco e mudo.
Novamente ouvi impropérios.
Voltei ao ninho na esperança de me proteger.
Dias seguintes, nada houve além do silêncio.
Ele sumiu.
Meu corpo secou, empalideceu,
doeu-me a cabeça, o ventre, os olhos, o peito, o plexo.
Atrapalhei as palavras. Perdi o poético.
Mas não por muito tempo.

Agora vivo ausente dessas memórias – eram por demais mentirosas.
Agora vivo. Intransitiva.
Recôndito distante de um abrigo vazio.





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