sexta-feira, 12 de junho de 2015

Por que se foi



“The fundamental things apply
As time goes by...” (Herman Hupfeld)
“E já passou, não quer passar/E já choveu, não quer chegar/E me lembrou qualquer lugar/E me deixou, não sei que lá...” (Milton Nascimento)
“Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama a seu irmão permanece na morte.” 1 João 3:14


 Para Ricardo Oiticica (in memoriam)



Bora fazer o trabalho que ficou na distância
Chega perto.
É pra daqui a duas semanas
A gente sempre compete com o tempo.
(o tempo... perdi alguma coisa?)

O Parque das Araras está vazio
Você não está mais aqui...
Eu prefiro pensar que você fugiu.
Ainda assim peço:
bora conversar nos pilotis.

Implica comigo, com a minha aliança de noiva.
Diz de novo: você pretende ser noiva?
Bem dizia que o anel era de magia estranha.
O anel enforcaria meus alquímicos pensamentos.
Não enforcou naqueles anos
Enforcou agora e...
Cadê você?

Ano após ano,
eu te encontrava,
a cada esquina da Gávea,
sempre espantada
com a quantidade de filhos
que colocou no mundo.
Você pretendia repovoar a Terra
com gente melhor?
A cada encontro rápido,
um sorriso, um piada
e sua voz incrivelmente bela.

Ecoa em mim a voz.
Ecoa com função de Eco:
A lembrar, lembrar, lembrar
(nauseante) o que outros
me levaram do passado bom.
Agora é machucador.
Por que se foi?
Eu preciso do seu aconchego,
da sua acolhida.

Preciso de você na sala de outrora.
Lembra das nossas falas?
Soavam eruditas...
Ê bobagem...
Lembra de nossos embates?
Lembra de nós?
Imprudentes e arrogantes jovens,
a guerrear palavras.


O Parque das Araras está vazio de você.
Lembra das conversas?
Eu lembro do seu hálito inteligente.
O bucólico parque continua aqui.
As araras deprimiram suas cores.
O parque embaçou.
Resolveu conversar futebol com Nelson Rodrigues?
Precisava ?
O riacho parou o tímido curso
No exato momento da última batida do seu coração.
As árvores enfraqueceram suas raízes -
artérias importantes da base de chão e terra em que
sentávamos para piquenique livreiro.

Saudade das suas falantes mãos
a mexer, por diversão e sem dolo,
com os intelectos docentes.

Eu nos lembro
a enlouquecer colegas.
Cada palavra escolhida
para tirá-los do conforto inútil.

Morte. Parca, Moîra.
Essa que te levou sem minha permissão.
Não a temo.
Tenho raiva, sim
Não podia levá-lo.
Não, você não.
Jamais.
Que me levasse.
Que me levasse.
Suas habilidades enriqueciam o mundo.
Que me levasse!
Minha alma grega enfrentaria o Destino cego.
Nunca tive medo do barqueiro sequer...

Você foi irmão que escolhi.
Sim. Prefiro pensar que fugiu
Fugiu fugiu fugiu fugiu sumiu.
Eu lhe pareço calma?
Estranha isso?
Você sempre me deixou assim...
Calma. Com que se espanta?

Notícia sua me chocou.
Soube ontem.
Procurei seu nome e encontrei seu óbito.
Uma foto.
As mãos.
E o traiçoeiro comboio se foi há dois
anos.
Poderia ter me chamado.
Eu iria.

Sua partida foi dor em mim.
Curiosamente, como é do seu feitio,
com essa dor, apagou outra.
Tamanha grandeza faltosa e cruciante
apagou incômodo recente.
Sua morte me custou a cura.
Eu preferiria descurar.


Tudo ficou tosco, irrelevante.
(será que padecimentos vão se revezando para angustiarmos menos?)

Jamais te chamei pelo apelido.
A cadeia sonora é pequena.
Não te honra o bastante.

Volta!
Volta!

E não se preocupe.
Ainda estou entre as verdes azuis araras embaçadas,
sentada no chão a esperar.

Agora vem, usa suas mãos discursantes
e me ensina a sofrer menos,
Ainda que esteja a vida dolente em excesso.

Volta, Oiticica,
Vamos bagunçar e alegrar a vida
até o dia amanhecer,
apontando, com sua luz, que tudo foi pesadelo.

Espero me venhas com sua sempre verdade, integridade
para eu ter meu corpo limpo, meu coração leve
e meu fígado menos intoxicado.
Assim doerá menos ou não doerá.



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