quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Psicolinguística


"Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito, e quem é desonesto no pouco, também é desonesto no muito. (Lucas 16:10) 
 “Quem mói no asp’ro, não fantasêia” (Grande Sertão:Veredas)

Sonho as montanhas de Minas.
Alquimia de mistério, silêncio e oxigênio em excesso.
Rodo feito louca para vê-las em caleidoscópio,
na esperança de ser abraçada por ecos de tranquilidade.
Somente a Mantiqueira me salvaria da linguagem inexata,
mas me percebo longe das Gerais.

Estou num emaranhado de prédios,
Premida pelas paredes inexpressivas e áridas.
Puxo o ar e ele não vem.

Qual o meu grau de humanidade?
Careço de manual interno para avaliar.
Também preciso de GPS que localize falas fraudulentas. 

Promessas feitas,
Palavras ao vento.
Acordos firmados,
Palavras ao vento.
Vento voa vivas frases malversadas,
caindo no chão, prontas para fenecer em desuso.

Basta olhar as pedras
sujas da rua
e elas me confirmam
o que eu já sabia
por intuição.

O coração me pesa.
O médico diz toma esse remédio, é muito bom.
Tarja preta que dê conta de padecimento causado por contraditos inda não conheci.

Só a pedinte da rua me salva
com sua gengiva risonha
e me diz vai por ali dona,
que vento não desjunta.

Livre do vento,
volto ao sonhar montanhas, que alertam:
demonstrações de sentimento somente à vista.
Amor em parcelas apodrece com o tempo.





terça-feira, 11 de novembro de 2014

Breaking Bad



“Perdi-me dentro de mim/porque eu era labirinto” Mário de Sá-Carneiro
"Em seus caminhos há destruição e miséria" Romanos 3:16


No instante em que um homem encontrar seu flagelo,
Perderá a percepção de si – e dos outros - definitivamente.

O grande susto leva ao medo.
O medo imprime o desespero.
O desespero desarranja a vida.
O tumor espalha sua raiz.
O bem e o mal tornam-se voláteis.

A procura incessante pela química perfeita
é o motor de viver.
Somente com uma tabela periódica é possível agir com coragem -
impulsiona a existência,
decrescendo o valor de humanidade.

Do ímpeto à fúria,
Da fúria à ira,
Da ira à hýbris.

O descomedimento espalha
O medo, a força bruta, a morte.
Morrem os afetos,
Morre a confiança,
Morre-se.

Não há retorno.
Não há saída.
Fica o amargo desejo incessante de destruir.

Sucessivos eventos nos revelam:
como agimos (ou reagimos) nos desenha de maneira impecável.


 Rosane Gomes

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Separação




Permaneça o amor fraternal. Hebreus 13:1

Quando eu fui para o outro lado da fechadura do quarto,
meu marido me chamou para umas últimas palavras.
Eu já estou namorando, o nome dela é Fulana, desculpe.
Disse como falava a moça e não como era – apresentou detalhes.
Não reagi. Não assustei. Ouvi horas.

Com a minha ausência de histeria, espantou-se muito.
Quis que eu fosse e voltasse.
Estou muito surpreso com sua reação. Vai, mas volta na semana que vem.
Volta pra casa.
Eu ri. Ele parecia tão igual a antes.
Pouco me importava a namorada que ele beijava no metrô.
(Escondido, coitado.)
Apenas falei: não adianta pôr sal sobre carne podre.

Quando parti, não olhou pela janela.
As poucas tralhas saindo lhe doíam.
34 anos resumidos em minutos de sofrimento.

Ele agora não evoca meu nome.
Perdeu a pronúncia.
É tão estranho. Eu imaginava sempre poder dizer pelo telefone “João”.
Não é acaso o aparente superlativo.
João – a terceira e excedente perna de G.H.

Apesar do tímido contragosto e
depois de tão íntimo afastamento, conheço - sem saber - o que faz, como faz,  o que acontece no seu coração e na sua mente.

Seria história comum, se, o que nele é substância, eu não tivesse guardado entredentes.

Hoje rezo profecias por ele.


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

I.N.R.I.


"Guarda a tua língua do mal, e os teus lábios de falarem dolosamente." Salmos 34:13 

"A boca do tolo é a sua própria destruição, e os seus lábios um laço para a sua alma." Provérbios 18:7


As árvores na frente da casa estão com folhas secas,
solidárias com minha pele murcha de suor vermelho.
Aquele que perdeu 300 moedas de prata,
acorrentou minha mágoa.
Recebi intimação apenas para me calar
Saber calada.

Quantas segundas faces ofereci a cada tapa,
Empurrão,
Braço torcido,
Cabeça ao pé do fogão?
Perdoei.
Acolhi.
Vivi no limite do risco da violência.
Ouvi um dicionário de impropérios.
Engoli.

Mas as nauseantes moedas não descerão pela minha garganta.

Só peço à Virgem que me conceda a
liberdade de não mais estar próxima.
Se ousar com os olhos, empunho integridade afiada,
e, ausente de perdão, alimento a lucidez que me habita
para desjuntá-lo da cabeça ao solo.
Só nos conciliaremos no minuto em que a terceira Moira cortar nossos fios.

Quando escavadores descobrirem meus ossos,
encontrarão pontiagudos como a língua que atravessou meu ventre
E as reluzentes 300 estarão nas mãos de outro Iscariotes,
depois de beijar mais uma face desavisada e inocente.


quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Conselho









"E não tinham sede, quando os levava pelos desertos; fez-lhes correr água da rocha e as águas correram." Isaías 48:21

Durante muito tempo tive um sonho repetitivo.
Meu pai, um salão, várias mesas, duas estagiárias e eu, sentadas
Ele estava ao pé de uma porta aberta,me apontando um vão muito iluminado.
Mostrava, com a rigorosa mão de sempre e o levantar de uma sobrancelha,
o espaço de confortável tranquilidade.
Meu coração se apertou em conflito.
Pater! Pater! Qual o meu erro?
Me tira as angústias! Aproveita, você está em meu sono!
Não sei o que significa.
Desconheço o que me reserva o clarão.
Mas, tenho certeza de que, enquanto ele estiver em minha memória de afeto,
seguirei a boa estrada
É pelo caminho aclarado que eu vou.
Pater! Pater!
Sempre te obedeci.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Detenção




"E apliquei o meu coração a conhecer a sabedoria e a conhecer os desvarios e as loucuras, e vim a saber que também isto era aflição de espírito.
Porque na muita sabedoria há muito enfado; e o que aumenta em conhecimento, aumenta em dor.
Eclesiastes" 1:17-18



Chego ao fundo do poço de meus medos.
Ele diz – te amo, linda. 
Sem estofo para acreditar, pergunto
por que motivo
Eu enfadonha, eu ácida mereço este?

As paredes da casa sumiram.
Não são os vazios que me assustam.
É o cimento que preenche a sobra de parede dura e antiga do meu refúgio de violência.

A casa agora sem fronteiras invade meu sono triste.
O chão decepado faz coro com a mão ausente do mestre de obras.
E ele-sem-mão tem um par, ainda que seja chão.
Ele tem um chão, ainda que falho.
Ele tem. E sem complemento com dedos.

A mim me restaram
o cativeiro,
o esgotamento e
a criança grande que não para de berrar e
me assusta. Não quero acalentá-la.
Sou má ou pior por rejeitar incômodo uterino?

Estou sem forças.
Uma poeira de solidão profana a manca morada, me sufocando.
Saudades do avô materno.
Ele sempre tinha um ar reserva para soprar esperanças.
Saudade grega do pai -
Sempre vinha com berros que, diferentes dos da criança,  soavam um piano suave de Chopin.

Adentro as tripas de minha mãe, como quem pede asilo.





quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Mater Dolorosa (oração desaforada)




Mater Dolorosa (oração desaforada)


“E qualquer coisa que lhe pedirmos, dele a receberemos, porque guardamos os seus mandamentos, e fazemos o que é agradável à sua vista. (1 João 3:22)

“Quando lavarem a mágoa/Quando lavarem a alma/Quando lavarem a água
Lavem os olhos por mim/ E Quando colherem os frutos/Digam o gosto pra mim/ Digam o gosto pra mim (Ivan Lins)”



Entre escombros eu me vejo para agradar meu filho.
De nada adianta, Deus.
O que mais devo destruir para que o coração esteja em paz?

Mandei derrubar paredes – as da casa e as minhas. E nada. E nunca. Parece que jamais.

A que santo ou anjo peço ajuda para encontrar nele o amigável?
Em que altar me ajoelho, pobre da angústia que me abala, para receber um, apenas um milagre?

O que oferecer a ti senão a mim mesma neste lugar transformado em calvário? Prepotência minha. Sou humana, não sou santa, tampouco teu filho eterno feito homem. Apenas posso oferecer meu corpo e minha alma sangrante em sacrifício diário, sem esperar tua resposta.

Por enquanto só digo amém e amém e améM e amÉM e aMÉM e AMÉM, Senhor, para tua vontade.
Que eu veja as constantes mortes cotidianas de perto – e dentro de mim –
Até que me concedas a ressurreição.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Cripta

Das jóias defuntas as tolas tias tomaram conta. Igualmente louças e até vinho do Porto pela metade.
E até hoje todos perguntam pelas fotos de família: querem mostrar aos netos....
Que mostrem o metal penhorado. Ela, mais esperta, ficou com o capital maior: uma caixa de sapatos cheinha de milionárias lembranças fotográficas,  com o ouro usado nos dedos e pescoços -  na época adequada. De jus e de direito.
Memórias sem solidão.


Impressão





Agia como um trator. A ela temiam.
Na calada dos dias, salvava um e outro no escritório. Mas em sisudo sigilo, sempre.

Demitiria quem descobrisse o espírito desmedido de afeto.
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